segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O que os holandeses tem a nos ensinar?

Cada organização social tem alguma contribuição para a humanidade. Suas adaptações ao local em que vivem, suas técnicas e descobertas podem ser muito úteis. Por isso é tão importante observar atentamente cada grupo humano, muitas cabeças pensam melhor do que uma. Viajar pode ser uma valiosa experiência de aprendizado se tivermos olhos atentos para os detalhes.

Nos últimos anos tenho me dedicado à empreitada de difundir o yoga pelo mundo, tarefa que tem me permitido conhecer diferentes culturas. Em viagem à Holanda semana passada para conhecer escolas de yoga e oferecer meus cursos, tive a oportunidade de refletir sobre o que os holandeses tem a nos ensinar. Estou sempre curioso a tentar descobrir qual seria a receita para a sociedade encontrar um modelo sustentável e pacífico.

reparem que parte do lago está congelada
A primeira coisa que me chamou a atenção lá, foi a importância dada à saúde. A semana em que lá cheguei era, por sorte, posterior à um frio siberiano, que congelou todos os canais. Mesmo com todo o frio, já cedo pela manhã, os parques estavam cheios de pessoas fazendo seus exercícios, além é claro, das onipresentes bicicletas, o meio de transporte adotado pela esmagadora maioria dos holandeses, que lhes deixa sempre em forma. Vi pelas ruas pessoas de todas as idades andando de bicicleta. Eles tem expectativa média de vida de 79 anos, o que os torna o 17º colocado entre os países onde mais se vive.

Outro aspecto importante sobre a saúde: alimentação. Façam uma rápida pesquisa na internet sobre restaurantes vegans e vegetarianos na Holanda e encontrarão um número elevadíssimo deles. Na capital, Amsterdam, estão espalhados supermercados que oferecem produtos orgânicos, frutas e legumes. Mesmo naquele frio, é fácil encontrar lanchonetes naturalistas e casas de sucos. Essa combinação de alimentação saudável e bicicleta talvez seja uma das razões que faz ser tão raro se ver por lá um obeso pela rua.

A segunda coisa que notei foi o paradoxal caos-organizado. Apesar de ter apenas 17 milhões de habitantes, a densidade populacional é altíssima pois o território é pequeno. Em meio a tantos pedestres, bicicletas, motos, carros, bondes e trens encontramos uma coisa diferente do que já vi em outras grandes cidades: gentileza. O fato de todos terem seu espaço de trânsito bem definido pode ser um facilitador para tamanha simpatia. Mesmo com ruas lotadas e com o frio cortante vi diversas cenas de cortezia e gentileza.

A terceira coisa que chamou a atenção foi a segurança. Com toda a organização e respeito às liberdades individuais o clima é bem seguro e familiar. Ao pesquisar sobre casos de criminalidade e violência é possível somente encotrar alguns casos pontuais e casos de furto de bicicletas. Ao que parece, o respeito às liberdades individuais é o que gera segurança. Tem-se a idéia de que tudo é permitido na Holanda, desde que não se atrapalhe a vida dos outros.

A impressão que tive é que há muito respeito entre as pessoas. Amsterdam parece ser a capital do mundo, tem gente de todas religiões, nacionalidades e estilos vivendo em paz. Eles parecem acreditar que a liberdade é fundamental para que os indivíduos sejam psicologicamente saudáveis, talvez seja por isso que a defendem tão energicamente. É a liberdade que traz maturidade, autonomia e independência aos indivíduos.

O respeito é extendido à todos mesmo, nem mesmo a prostituição legalizada e os coffeshops atrapalham ou sofrem discriminação. Aliás, vi uma família com crianças chegando em sua casa ao lado de uma vitrine com luz vermelha. Vi também um coffeshop justamente ao lado de um jardim de infância. Em terras tupiniquins acho que tais cenas não seriam possíveis tão cedo, pois não se entende como se pode combinar crescimento econômico, paz e respeito nesses níveis.

Todo o cuidado dado à saúde, alimentação, à capacidade de cooperação, ausência de miséria e respeito às liberdades indivíduais seriam fundamentais para uma sociedade pacífica. Mas, uma sociedade saudável precisa de uma coisa fundamental: indivíduos equilibrados.

Capacidade de cooperação e habilidade de respeitar os outros, mesmo que sejam bem diferentes, são competências que se aprende na família e na escola. Ausência de pessoas em situação de miséria se consegue com programas de apoio aos excluídos e aos em situação de risco. Mas equilíbrio emocional, como se consegue?

Eu diria que isso é um aprendizado, uma técnica. Talvez o primeiro passo seja a compreensão e aceitação das coisas que são imutáveis. Não aceitar que tudo é impermanente gera medo, estresse, depressão e necessidade de escapismos e compensações.

Os Países Baixos, nome mais correto do que Holanda (que só dá nome a duas das  doze regiões administrativas) tem 27% de sua área e 60% da população vivendo abaixo do nível do mar. Ora, sabemos que o nível do mar está subindo e isso não deve ser lá muito confortável para um holandês saber, principalmente antes de ir dormir. Essa proximidade com o perigo, o risco dos diques de uma hora para outra deixarem a água entrar, deve ser como um lembrete de que tudo é impermanente. Talvez o fato de estar bem claro aos holandeses que eles podem morrer a qualquer momento, facilita que eles estejam mais presentes e deêm mais importância à qualidade de vida do que simplesmente ao dinheiro. 


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