sexta-feira, 16 de março de 2012

Kony e o populismo de internet

Nota: Está disponível versão em audio sobre a presente reflexão aqui.

A reflexão de de hoje é Joseph Kony e sobre o sucesso do video feito a seu respeito que está sendo tão partilhado nas redes sociais. Só no youtube o video já foi visto por quase 80 milhões de pessoas.

Antes de apresentar minha visão sobre o tema, informo aos que ainda não o conhecem quem é Kony.

Ele é o lider de uma guerrilha fanático-religiosa no Uganda chamada Exército de Resistência do Senhor. Ele e seu exército querem impor que os 10 mandamentos biblicos sejam  leis e vem comentendo diversos crimes, incluindo o sequestro de milhares de crianças. E aqui deixo  meu alerta ao Brasil, onde cresce tão rápido o número fanáticos religiosos.

Sobre o filme há muitos debates e duas principais correntes de pensamento: a 1ª apoia uma intervenção militar no Uganda para prender o criminoso a 2ª reconhece a necessidade de pará-lo mas considera o filme uma propaganda manipuladora de massas para que os EUA possam invadir e explorar mais um país, desta vez com apoio mundial.

São questões  importantes, mas o que chama ainda mais a atenção, são as consequências do sucesso do filme: A prova final de que a democracia estilo século XX morreu. Explico:

Imaginem quantas atrocidades estão acontecendo hoje em diversos lugares do mundo: trabalho escravo, comércio de pessoas e órgãos, exploração sexual, industrias lucrando às custas da saúde de crianças e adultos, enfim... Agora responda: Quem foi que decidiu que prender Kony é a coisa mais importante a ser feita no mundo? Onde estão morrendo mais crianças hoje? Na Índia? na Siria, na Libia, na Etiópia, na Somália ou no Uganda?

Não é porque uma pessoa tinha uma câmera, encontrou uma injustiça e fez um documentário, que devemos agora, o mundo inteiro, priorizar a questão que ela acha que é prioritária. Isso de mover massas pela emoção, o populismo, pode chegar, com a internet, a esféras nunca antes imaginadas por Vargas ou Hitler. Antes de nos movermos automaticamente como cardume deviamos pensar.

O sucesso do filme mostra o incontornável: uma cidadania global emerge de maneira consistente. Todos, em todos os países, querem que os direitos humanos sejam respeitados em todos os lugares do mundo. É como se houvesse um consenso planetário de que sem direitos humanos viramos bichos, portanto, tinhamos de encontrar uma forma de garantí-los a todos.

Então, a questão que o filme desperta afinal, é a necessidade de uma reforma nas Nações Unidas.  E porque chego a essa conclusão? Vejamos se o leitor concorda comigo:

A ONU faz tempo vem sendo acusada de defender o interesse de poucos e ser manipulada pelos EUA. Com uma ONU reformada, mais legitima, mais democrática e imparcial. Questões como essa no Uganda seriam resolvidas pelas Nações Unidas e não somente por esse ou aquele país. 

Uma ONU reformada, e não à serviço de poucos, poderia ser o espaço onde os interesses de todas as pessoas sejam representados e defendidos.

Seria nesse âmbito, onde devia ser decidido qual a prioridade de ação para um mundo melhor. Afinal é justo que quem escolha as prioridades seja quem tem mais espaço na mídia?

Para que uma intervenção mundial, em qualquer país, seja legítima, seria ético que todos os países tivessem voz na ONU e principalmente que todas as pessoas tivessem!

Que tal se todos pudessemos indicar na ONU nossos interesses? Aliás, isso podia ser feito pela internet, não?

Numa democracia mais direta e participativa todos somos atores do processo decisório.

Talvez a mobilização que o video tem causado nos mostre à todos, que de fato somos nós, cada um de nós, o governo.

Ultimas considerações:

Aquele belo princípio da auto-determinação dos povos é hoje posto em causa. Antes era o famoso princípio do “ eles que se entendam” hoje, as pessoas se importam mais com o que está acontecendo ao redor, até nos lugares mais distantes do mundo.

É óbvio que Kony tem que ser parado. Mas é óbvio também que devemos ficar atentos aos riscos do populismo de internet. O polulismo já nos conduziu no passado a lugares tenebrosos como o fascismo e o Nazismo.

Para finalizar, diria que o debate sobre o tema é longo e espinhoso. Uma ONU que efetivamente cuide do mundo, mais forte e com exército, se transformaria num Super-Estado-Mundial e isso assusta muita gente.

Deixem sua opinião e até a próxima!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O que os holandeses tem a nos ensinar?

Cada organização social tem alguma contribuição para a humanidade. Suas adaptações ao local em que vivem, suas técnicas e descobertas podem ser muito úteis. Por isso é tão importante observar atentamente cada grupo humano, muitas cabeças pensam melhor do que uma. Viajar pode ser uma valiosa experiência de aprendizado se tivermos olhos atentos para os detalhes.

Nos últimos anos tenho me dedicado à empreitada de difundir o yoga pelo mundo, tarefa que tem me permitido conhecer diferentes culturas. Em viagem à Holanda semana passada para conhecer escolas de yoga e oferecer meus cursos, tive a oportunidade de refletir sobre o que os holandeses tem a nos ensinar. Estou sempre curioso a tentar descobrir qual seria a receita para a sociedade encontrar um modelo sustentável e pacífico.

reparem que parte do lago está congelada
A primeira coisa que me chamou a atenção lá, foi a importância dada à saúde. A semana em que lá cheguei era, por sorte, posterior à um frio siberiano, que congelou todos os canais. Mesmo com todo o frio, já cedo pela manhã, os parques estavam cheios de pessoas fazendo seus exercícios, além é claro, das onipresentes bicicletas, o meio de transporte adotado pela esmagadora maioria dos holandeses, que lhes deixa sempre em forma. Vi pelas ruas pessoas de todas as idades andando de bicicleta. Eles tem expectativa média de vida de 79 anos, o que os torna o 17º colocado entre os países onde mais se vive.

Outro aspecto importante sobre a saúde: alimentação. Façam uma rápida pesquisa na internet sobre restaurantes vegans e vegetarianos na Holanda e encontrarão um número elevadíssimo deles. Na capital, Amsterdam, estão espalhados supermercados que oferecem produtos orgânicos, frutas e legumes. Mesmo naquele frio, é fácil encontrar lanchonetes naturalistas e casas de sucos. Essa combinação de alimentação saudável e bicicleta talvez seja uma das razões que faz ser tão raro se ver por lá um obeso pela rua.

A segunda coisa que notei foi o paradoxal caos-organizado. Apesar de ter apenas 17 milhões de habitantes, a densidade populacional é altíssima pois o território é pequeno. Em meio a tantos pedestres, bicicletas, motos, carros, bondes e trens encontramos uma coisa diferente do que já vi em outras grandes cidades: gentileza. O fato de todos terem seu espaço de trânsito bem definido pode ser um facilitador para tamanha simpatia. Mesmo com ruas lotadas e com o frio cortante vi diversas cenas de cortezia e gentileza.

A terceira coisa que chamou a atenção foi a segurança. Com toda a organização e respeito às liberdades individuais o clima é bem seguro e familiar. Ao pesquisar sobre casos de criminalidade e violência é possível somente encotrar alguns casos pontuais e casos de furto de bicicletas. Ao que parece, o respeito às liberdades individuais é o que gera segurança. Tem-se a idéia de que tudo é permitido na Holanda, desde que não se atrapalhe a vida dos outros.

A impressão que tive é que há muito respeito entre as pessoas. Amsterdam parece ser a capital do mundo, tem gente de todas religiões, nacionalidades e estilos vivendo em paz. Eles parecem acreditar que a liberdade é fundamental para que os indivíduos sejam psicologicamente saudáveis, talvez seja por isso que a defendem tão energicamente. É a liberdade que traz maturidade, autonomia e independência aos indivíduos.

O respeito é extendido à todos mesmo, nem mesmo a prostituição legalizada e os coffeshops atrapalham ou sofrem discriminação. Aliás, vi uma família com crianças chegando em sua casa ao lado de uma vitrine com luz vermelha. Vi também um coffeshop justamente ao lado de um jardim de infância. Em terras tupiniquins acho que tais cenas não seriam possíveis tão cedo, pois não se entende como se pode combinar crescimento econômico, paz e respeito nesses níveis.

Todo o cuidado dado à saúde, alimentação, à capacidade de cooperação, ausência de miséria e respeito às liberdades indivíduais seriam fundamentais para uma sociedade pacífica. Mas, uma sociedade saudável precisa de uma coisa fundamental: indivíduos equilibrados.

Capacidade de cooperação e habilidade de respeitar os outros, mesmo que sejam bem diferentes, são competências que se aprende na família e na escola. Ausência de pessoas em situação de miséria se consegue com programas de apoio aos excluídos e aos em situação de risco. Mas equilíbrio emocional, como se consegue?

Eu diria que isso é um aprendizado, uma técnica. Talvez o primeiro passo seja a compreensão e aceitação das coisas que são imutáveis. Não aceitar que tudo é impermanente gera medo, estresse, depressão e necessidade de escapismos e compensações.

Os Países Baixos, nome mais correto do que Holanda (que só dá nome a duas das  doze regiões administrativas) tem 27% de sua área e 60% da população vivendo abaixo do nível do mar. Ora, sabemos que o nível do mar está subindo e isso não deve ser lá muito confortável para um holandês saber, principalmente antes de ir dormir. Essa proximidade com o perigo, o risco dos diques de uma hora para outra deixarem a água entrar, deve ser como um lembrete de que tudo é impermanente. Talvez o fato de estar bem claro aos holandeses que eles podem morrer a qualquer momento, facilita que eles estejam mais presentes e deêm mais importância à qualidade de vida do que simplesmente ao dinheiro. 


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A estreita conexão entre o Pinheirinho e o caos em Salvador


Para quem não sabe, tenho um canal no youtube onde posto diferentes videos: sobre yoga, qualidade de vida e costumo também, fazer reflexões sobre temas atuais que considero revelantes. Um dos últimos videos que fiz foi sobre o caso Pinheirinho que gerou certa polêmica e recebeu comentários extremistas. No presente texto, gostaria de comentar sobre sobre duas coisas: o video referido e sobre o caos em Salvador. Se quiser assisti-lo clique aqui.

Primeiro vamos ao video. Minha reflexão sobre o ocorrido no pinheirinho focalizava justamente a carência do cumprimento dos Direitos Humanos no Brasil e sobre o preocupante apoio popular às políticas de tendência fascista. No video, inclusive alerto para o perigo crescente do retorno ao fascismo em diversas partes do mundo. Em muitos lugares na Europa vemos nos últimos tempos repressão violenta contra manifestantes pacíficos e novas leis que atentam contra os DH, como uma recente na França que autoriza a detenção de mendigos. A medida causou inflamado debate nacional. A extrema direita preocupa na Europa.

Evitei discutir sobre propriedade privada no video e me concentrei no tratamento desumano que o brasileiro sofre.

Resultado: de todos videos que fiz esse foi até agora o que recebeu mais negativos e uma série de comentários extremistas.

Meu objetivo enquanto cidadão era tentar contribuir para solucionarmos um gravíssimo problema no Brasil: a violência.

Nos países asiáticos, como na Índia, a violência não tem ligação direta com a miséria, mas, no mundo ocidental violência e miséria são como unha e carne.

É triste ver a quantidade de gente que ainda  apoia a violência. Quando observamos a história vemos que isso nunca resultou em boa coisa.

Na Europa a implementação dos direitos humanos e a garantia das necessidades básicas, moradia, alimento, água, educação e etc. fez desaparecer a miséria e por consequência fez desaparecer a criminalidade violenta. Em países como Holanda, Portugal, Espanha entre tantos outros, a opinião pública exige dos governantes, ajuda para aqueles que estão no desespero da miséria. Pois nessa situação o ser humano se torna perigoso e capaz de barbárie.

No Brasil a percepção da ligação entre miséria e violência parece não ser óbvia para grande massa. Esperam que, como os passivos indianos, o povo na miséria aceite e aguente tudo sem perderem o controle. Detalhe, os brasileiros são bem diferentes dos indianos. Tanto, que podemos constatar essa realidade com o segundo tópico do meu comentário de hoje. O caos na Bahia.

Vejamos que a polícia, assim como muitos outros trabalhadores brasileiros, não tem salário que lhes permite vida digna. No auge do desespero decidem pela greve que desencadeia no povo arrastões e outras barbáries. Na descrição do video, há um link sobre o fato. E então alguns perguntam: o povo brasileiro é criminoso? Eu diria que não, pois são as circunstâncias e os contextos que levam os indivíduos para determinados comportamentos.

Pensemos: Se o povo tivesse educação, saúde a as necessidades básicas garantidas, tenderiam para a barbárie? Será que não é ponto pacífico que enquanto não cuidarmos daqueles em situação de miséria teremos pessoas desesperadas e violentas?

Essa semana na França, uma atriz famosa, perdeu tudo e virou moradora de rua. O governo provisóriamente lhe tomou a guarda dos filhos, para evitar que passassem por situações desumanas e a encaminhou para um abrigo emergencial. E nós no Brasil como tratamos as crianças? Como o Estado pode exigir conduta equilibrada daqueles que nunca tiveram nada, nem condições, nem perspectivas?

Alguns comentários do video falavam das vantagens do modelo capitalista. O que pra mim é um total desvario, tendo em conta o colapso econômico e político que EUA e Europa enfrentam. Será que a euforia da copa do mundo, de ser 6ª economia do mundo, está fazendo os brasileiros perderem o bom senso? Eles não tem visto o desemprego nos EUA? Os mais de um milhão e meio de norte-americanos morando nas ruas? Não tem visto o caos na Grécia e o que está acontecendo na Espanha e tantos outros países? O capitalismo liberal morreu, e dá seus últimos espasmos.

O capitalismo de consumo em massa, tem gerado sistematicamente, desigualdade, miséria, crime, destruição do planeta, e tantas outras mazelas psicológicas, como epidemias de ansiedade, estresse, depressão, obesidade, enfim, é um modelo que não tem funcionado. Vemos inclusive a expectativa de vida em alguns países desenvolvidos cair. As pessoas estão morrendo mais cedo por causa desse modelo de organização sócio-econômica tão ineficiente.

Mas para tornarmos frutifera essa reflexão, precisamos de soluções. Minha proposta é simples: Uma cruzada nacional pelos direitos humanos. Todo brasileiro devia exigir que o governo, não importa de que partido seja, cuide das pessoas em situação limite. Essa foi a cura para a violência na Europa do pós-guerra: dar ao povo vida digna e garantir as necessidades básicas. Queremos ou não acabar com a violência no Brasil?

Para evitar que ocorram casos como os do pinheirinho e o caos que ocorre hoje em Salvador, precisamos deixar de lado a antiga tradição tupiniquim de deixar o povo no esgoto. Está na hora de todos exigirem vida digna e direitos básicos à todos. Pois sem isso o ser humano se animaliza. Educação, saúde e condições mínimas para todos!

O Estado deve ser uma instituição que organiza, que garante igualdade, liberdade e fraternidade. Se o Estado só cobra impostos e não oferece nada não é óbvio que o povo fará asneiras?

Se o Estado ofereceu condições de vida e o indivíduo não as aproveita é outra história, agora querer exigir o respeito do povão sem nada lhe oferecer é díficil, não?

Para concluir, eu diria que a questão da miséria no Brasil tem outro ponto marcante: o fim da escravidão. Enquanto nos EUA boa parte do negros recebeu indenizações pelos abusos sofridos, no Brasil, nada. Enquanto o Estado não garantir igualdade de oportunidades e condições, será sempre essa guerra do salve-se quem puder.

Um país tão imenso como Brasil, duas vezes maior que a Índia e com população 6 vezes menor, tem espaço e recursos para que todos saiam da miséria. Basta vontade política e o povo deixar de aplaudir políticas truculentas e desumanas.

Esse texto tem versão em áudio em: #15 - Caos na Bahia, violência e miséria - PODCAST